terça-feira, 25 de agosto de 2009

Sem pé nem cabelo

Sem pé nem cabelo...
Fim

Toda história tem um final e essa não podia ser diferente, se bem que ela é tão peculiar que podia nem ser contada e... Pensando bem... A história toda podia ser esquecida. Trata-se apenas de uma fase e fica sem graça e sem grandes atrativos contá-la assim. Eu e Priscila não fomos em frente (eu procurava algo nela que só encontrava em Aline). O Luca, após o tour pelas escolas com nossa peça infantil juntou-se a um grupo de teatro de Sorocaba mostrando que realmente tinha talento e alma de artista (foi embora... Nunca mais o vi). Não demorou muito para que eu descobrisse que minha preocupação financeira era maior que os anseios artísticos. Abandonei o teatro e arrumei um emprego em um escritório de contabilidade. Minha grande vocação era fazer algo que possibilitasse um dinheiro no fim do mês. (nem que para isso me custasse cortar o cabelo!). Depois daquela confusão toda, o Tico acabou nem sendo internado... Apareci na casa dele e ele me disse estar maneirando nas drogas e que ainda sonhava com a banda fazendo sucesso. E que o Tiago estava saindo. Em seu lugar, Júnior assumiria a guitarra...


Meio

O desdobramento de minha decisão tomada naquela tarde enquanto olhava para a Aline foi de certa forma muito mais sério do que eu imaginei. Ao decidir dar uma guinada em minha vida descobri a distancia que havia entre eu e o pai do Tico. Eu só podia ser o guitarra-base e só... Aquilo exigia aceitação dogmática. Aquela banda nunca ia dar em nada... Fui fazer teatro.
Tiago, o irmão do Fabão assumiu meu posto e foi responsável pela iniciação de toda a banda no mundo da droga pesada. Logo no terceiro ensaio dele convidou todo mundo para um rolê até a lagoa para uma experiência. No meio disso tudo, deixei de escutar... Apenas fiquei olhando o abrir e fechar da boca de quem sempre me contava as novidades e quase vislumbrei o que Aline havia sussurrado em meus ouvidos naquela tarde, mas ficou meia frase só, início de uma pergunta.
Um mês depois, o Vítor me contou que o Tico estava numas de comprar anfetaminas... Era um amigo do Tiago que trabalhava em uma farmácia que fornecia. Foi desconfortável saber aquilo. Senti culpa.
Comecei a fazer teatro em outra cidade e antes dos ensaios de vez em quando dar uma volta de circular pela cidade era minha válvula de escape. Ficava observando as pessoas. A transitoriedade das coisas e acabava pensando na Aline que vinha em minha direção e me dava um beijo... Sonhava acordado olhando o movimento da cidade... Viajava...
Logo de cara no curso, conheci uma garota, fã do U2, que gostava muito de “Pride”. Ela sempre repetia que aquela era a música de sua vida. Um dia combinamos de irmos ao parque juntos e conversamos muito mais de música que de nós dois.
Tínhamos um amigo em comum: o Luca, um cara muito espirituoso que era um ótimo ator. Eu, ele e a Pri (o nome dela era Priscila) montamos uma peça infantil da Ana Maria Machado. Fomos a São Paulo juntos assistir a uma peça do Antonio Fagundes. Na volta, finalmente eu e Pri começamos o namoro. O Luca bateu palmas e todos no ônibus o imitaram. Aquilo foi muito especial. Com a peça infantil fizemos o circuito das escolas públicas e sempre ao final de cada apresentação era organizada uma festa na casa do Luca (ele morava sozinho) e numa dessas festas o Lu estava e então fiquei sabendo que o Tico estava tão ruim que numa apresentação em uma lanchonete atirou a guitarra na platéia...


Começo

Toda a turma na casa do Tico.
Puseram um som que demorei a decifrar (era Deep Purple, fase David Coverdale).
As meninas chegaram com material de escola. O Fabão estava na bateria, Lu e Nanda bebiam cerveja, sentados no chão da sala e falavam da viagem que fariam a Bauru.
Estava distraído tentando lembrar o nome da música quando a Aline veio pro meu lado e falou algo que não consegui entender. Depois saiu deixando no ar seu perfume. Descalça e de sainha, ela era um descanso na confusão, um alento...
Fiquei tentando resgatar o que ela disse, mas o Júnior pegou o microfone e o Vítor, o contrabaixo... Afinal tínhamos que ensaiar. Peguei minha guitarra e fiquei esperando o Tico pegar a dele. O Nando rapidamente ligou a aparelhagem. Era o que ele sabia fazer e sempre fazia sem ninguém pedir. Tocamos a primeira sem olhar um pro outro. Era a forma que encontramos para nos sentirmos mais seguros. A mãe do Tico apareceu na janela, deu um sorriso e se foi. O céu estava nublado quase cinza e um leve tom laranja deixava tudo tão bonito quanto indescritível.
Eu tocava pensando o quanto aquilo havia se tornado repetitivo e ficava olhando a Aline, que do outro lado da janela parecia também me olhar. Veio o Tico e falou qualquer coisa em meu ouvido. Eu fingi que entendi e dei uma modificada no ritmo (ele sempre pedia isso). Ele fazia o solo porque era o dono da aparelhagem (o dono da bola sempre é titular). Eu sempre quis experimentar solar as músicas que começávamos a criar.
Estávamos quase terminando a música quando o Júnior gritou que não gostou de não-sei-o-quê. Pôs a mão no ouvido e fez aquela cara de nojo que me irritava tanto. Era a forma de disfarçar o fato de ter esquecido a letra. Colocava a culpa em nós enquanto rapidamente pegava a pasta com as músicas... Recomeçamos... Na área em frente à edícula, as meninas riram de algo que só elas perceberam. Um carro estacionou na frente. Da janela dava para ver ao mesmo tempo os pingos da chuva fina caindo lá fora e o pai do Tico chegando com aquela aparência sisuda que escondia tão bem o prazer que ele sentia ao nos ouvir tocando. Acabamos a música com um solo do Fabão a La “Led Zeppelin” e paramos um pouco. Jogaram–me uma fita para eu ouvir. Modelavam meus pensamentos, decidiam o que eu devia ouvir e nunca me convidavam a opinar. Procurei por Aline, mas ela já não se encontrava, as meninas tinham ido embora. Voltamos a tocar por mais quarenta minutos. A chuva aumentou. O Fabão se mandou. Fui adiando até que não pude mais e resolvi falar...

Fim do fim

Hoje não toco mais... Não consigo... Desaprendi. Ficaram lembranças um pouco acridoces de um tempo que tinha tudo pra ter sido incrível...

Fim do meio
O pai foi buscar Tico na lanchonete prometendo interná-lo. Quem intercedeu foi Aline dizendo que tudo aquilo era passageiro. O que permaneceu foi a sensação de que algo se quebrou e nunca mais poderia ser colado...

Fim do começo
Quis sair. Não dava mais. Quiseram saber porquê. “Porque sim, tô em outra”. Menti. Percebi o muchocho do Júnior as minhas costas. Foi a parte mais chata. Fui saindo levando a minha guitarra que sempre deixava lá. A embalei num saco de lixo para protegê-la. Nem peguei os pedais que eram meus e eles nunca devolveram.
Tico até tentou me demover da ideia. Mas argumentei que eles possuíam peça de reposição (o irmão do Fabão tocava muito bem e há muito queria uma chance). Eu estava na rua tomando chuva quando ouvi o Vítor falando, “deixa o cara”...

Fim definitivo

Enquanto Lu falava fiquei olhando pela janela. O céu com nuvens acinzentadas me trouxe à memória o cheiro do perfume da Aline e a lembrança daquela tarde. De repente ouvi a voz dela. Finalmente lembrei! Com uma voz fina sussurrante ela perguntando “por que você não vem comigo?” foi isso que ela me disse naquele meu último dia de ensaio... Infelizmente o anjo demorou muito pra soprar o que eu precisava ter ouvido... E não foi outra coisa, foi isso mesmo... Ela havia me convidado para sair... E eu... Bem, eu não fui.

Marco Antônio de Almeida