sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Fruto de livros e meu pai

Fruto de livros e meu pai

Primeira aula do dia. “Bom dia. Atenção, a chamada”. Todos se sentam e após os procedimentos normais peço para que todos façam uma atividade da apostila. No fundo, vejo um aluno que se perdia na leitura de um livro.

Ser leitor para mim surgiu quase como uma necessidade. No início de meus estudos, logo no primeiro ano, meus pais foram tomar conta de uma chácara distante da cidade e naquele tempo não havia como eu continuar a freqüentar a escola. Foi então que meu pai resolveu me ensinar a ler e a escrever. Só que com um método só dele. Todo final de tarde ele me fazia copiar letras, juntá-las sempre as associando a coisas do dia-a-dia, como por exemplo: o “t” lembra uma enxada e por isso é o “t” de trabalho, dizia ele sempre com um ar de quem descobria junto comigo tudo aquilo. Ficávamos sempre duas horas não só em aula, mas numa conversa sobre o que envolvia o aprendizado. E tudo isso com o uso de revistas em quadrinhos. O que talvez tenha sido a grande inovação, pois meu pai lia para mim e me estimulava a tentar entender o que estava escrito relacionando com os desenhos.

Foram dias mágicos em que eu descobria ao mesmo tempo e aos poucos esse mundo fantástico da escrita e da leitura e o quanto ler era divertido. Logo depois os livros passaram a ser meus grandes companheiros já que onde morávamos quase não tinha com quem eu brincar da minha idade. Após três anos voltamos para a cidade e pude prosseguir meus estudos. Acabei me tornando professor sempre me lembrando de meu pai que nunca foi à escola e foi meu grande exemplo. Autodidata, ele soube que tudo o que fazia faria muita diferença em minha vida e teve a ousadia de criar meios de tornar minha aprendizagem a mais interessante possível.

Lembro-me de tudo isso frente a uma sala de aula repleta de alunos que fazem suas histórias e certamente espera de mim algo parecido.

Uma aluna me chama, quer mostrar a lição que há pouco eu havia pedido antes de me perder nessas reminiscências. Cheguei perto de sua carteira onde estava além da apostila, um livro. Perguntei que livro era aquele e ela me mostrou a capa. Era “A Ilha Perdida” de Maria José Dupret. Não resisti e contei que aquele foi o segundo livro que li. Eu falava só para ela, mas a classe quase toda se interessou. Acabei me empolgando e passei a contar agora para a sala toda, o quanto ler me era importante. O que sou, devo aos livros e aos meus pais.

Não pude deixar de falar da experiência do primeiro livro. “O Gênio do Crime” de João Carlos Marinho que fala de um roubo de figurinhas em época de Copa do Mundo é na verdade um grande romance infanto-juvenil sobre a amizade. O menino do fundo aproveitou para falar de seu álbum quase preenchido. Outro, que já havia lido aquele livro também. Deixamos um pouco tudo de lado e terminamos a aula literalmente trocando ideias como se elas fossem figurinhas de um álbum afetivo. Tocou o sinal e olhei para todos. Havia um ar gostoso de cumplicidade e pensei no quanto isso é importante nessa profissão. Na saída não resisto e dou mais uma olhada para o menino que lia seu livro no início da aula e vi o mesmo olhar que eu tinha quando descobri a leitura. A alegria de ser leitor é algo que transforma tudo e faz a vida ser mais fácil de ser vivida. Compreender isso possibilita outros olhares sobre o mundo e o que vivemos.

Marco Antônio de Almeida